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Estudo desvenda como os compostos fenólicos de plantas inibem a comunicação bacteriana
Fonte: Agência FAPESP
Agência FAPESP* – O quorum sensing (sensor de quórum, em tradução livre) é um sistema de comunicação intercelular mediado por sinais químicos que é usado por bactérias para coordenar, por exemplo, ataques em massa a um hospedeiro por meio da produção de fatores de virulência.
Desde a década de 2000, já se sabia que esse sistema de comunicação poderia ser inibido por extratos de plantas contendo compostos fenólicos e vários estudos vêm sendo feitos para compreender os mecanismos envolvidos. Faltava, porém, detalhar e estruturar esse conhecimento para que possíveis aplicações pudessem ser testadas.
A resposta veio em um artigo de revisão publicado na revista Heliyonpor pesquisadores do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC) e da Cornell University, nos Estados Unidos. O FoRC é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP).
“Detalhamos como os principais compostos fenólicos [dos mais de 10 mil existentes] atuam nas bactérias patogênicas mais conhecidas, como Pseudomonas aeruginosa, Salmonella e Serratia marcescens, patógenos importantes para humanos e animais. E constatamos que baixas concentrações desses compostos já são suficientes para inibir a comunicação bacteriana”, conta a cientista de alimentos Emília Maria França Lima, primeira autora do artigo que é fruto de sua tese de doutorado.
Classificações de sistemas e possíveis aplicações
Para orientar aplicações futuras, foram classificados os possíveis sistemas de inibição do quorum sensing: específico, não específico e indireto – sendo que os dois últimos foram só recentemente associados à inibição por compostos fenólicos.
“Os inibidores específicos agem diretamente nas proteínas que produzem ou recebem as moléculas pelas quais as bactérias se comunicam; é como se fossem ‘ruídos’ impedindo a correta interpretação da informação recebida pelos microrganismos”, explica Lima, acrescentando que algumas enzimas também atuam nesse mecanismo específico, pois são capazes de degradar as moléculas sinalizadoras e causar um silenciamento na comunicação.
“Os inibidores não específicos, por sua vez, atuam em vias intracelulares que regulam as moléculas mensageiras, afetando indiretamente as vias de comunicação por quorum sensing que também são influenciadas por esses mensageiros intracelulares. Já os inibidores indiretos atacam de maneira mais abrangente outras vias envolvidas na produção de enzimas e proteínas, interferindo no metabolismo global do microrganismo e, consequentemente, afetando a comunicação bacteriana”, complementa a pesquisadora.
O conhecimento desses mecanismos de inibição poderá ser utilizado no desenvolvimento de fármacos, embalagens ativas de alimentos e produtos de limpeza, entre outras aplicações que possibilitem aumentar a segurança no controle de bactérias. A grande esperança é que tenha também potencial para ajudar a resolver um problema de saúde pública relevante: a resistência microbiana a antibióticos.
“Quando usamos um antibiótico, por exemplo, eliminamos as bactérias, mas, à medida que esse antibiótico vai sendo utilizado, muitas vezes de forma indiscriminada, acabamos selecionando bactérias resistentes, que surgem por meio de mutações ou aquisição de genes de resistência. Portanto, unir os antibióticos aos compostos fenólicos pode ser uma estratégia promissora”, afirma Lima.
Sistemas integrantes
Segundo os autores do estudo, os compostos fenólicos interferem na comunicação das bactérias, impedindo que elas saibam quando estão em número suficiente para produzir fatores de virulência, como algumas toxinas, por exemplo.
“Para produzir esses fatores de virulência é preciso disponibilizar uma quantidade enorme de energia, algo que uma bactéria não consegue fazer sozinha. Por isso, é necessário que elas se unam até atingirem um quórum predeterminado”, explica o orientador da pesquisa, o microbiologista Uelinton Manoel Pinto, pesquisador do FoRC e coautor do estudo ao lado de Stephen C. Winans, da Universidade de Cornell.
Os detalhes desse intrigante sistema de comunicação, segundo ele, foram desvendados ao longo de décadas, com destaque para a criação do termo quorum sensing, na década de 1990, por Stephen C. Winans. As pesquisas demonstraram que muitos comportamentos microbianos são influenciados pela comunicação entre os microrganismos, incluindo a produção de fatores de virulência (importantes nos mecanismos de infecção), formação de biofilmes (relevante em diversas áreas) e na deterioração dos alimentos. Desde então, muitos pesquisadores ao redor do mundo estudam formas de inibir a comunicação microbiana mediada por quorum sensing.
Novas frentes
Agora, com os mecanismos bem detalhados, o grupo do professor Uelinton Pinto na USP se dedica a novas pesquisas que buscam combinar compostos fenólicos para otimizar sua ação contra patógenos como a P. aeruginosa e a Salmonella. “Também estamos estabelecendo uma parceria com pesquisadores da França para avaliar a segurança de uso de combinações de compostos fenólicos sobre o organismo humano”, conta.
O artigo Quorum sensing interference by phenolic compounds – A matter of bacterial misunderstanding está disponível em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S240584402304865X.
* Com informações do FoRC, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão da FAPESP.